segunda-feira, 19 de agosto de 2013

CULTURA: Ney Matogrosso é o novo Bandido da Luz Vermelha




Em apenas quatro meses, Ney Matogrosso interpretou seu primeiro protagonista no cinema, foi anunciado o vencedor do Prêmio Shell de Música 2009 e terminou de gravar o 33º disco de sua carreira, Beijo Bandido. O título, faz questão de explicar, foi escolhido antes de receber o convite para ser nas telas o Bandido da Luz Vermelha, na continuação do filme de mesmo nome lançado por Rogério Sganzerla em 1968. O roteiro do novo longa, Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha, é assinado pelo próprio Sganzerla, morto em 2004, que deixou centenas de páginas escritas. E rodado pela viúva do diretor, a atriz Helena Ignez, que divide a direção com Ícaro Martins.

A experiência de Ney em cinema era breve: pequenos papéis em dois longas e um curta. Mas, para dar corpo ao personagem inspirado em João Acácio Pereira da Costa (1943-1998), o verdadeiro Bandido, Ney não fez preparação. "A Helena me disse para ser o mais verdadeiro possível, e entendi que era para compreender o texto, como faço com a música: leio muito a letra, quero entender todos os significados, até para subverter, se for o caso, porque, mudando uma vírgula, pode mudar a conotação. Então, li muito o roteiro."

Apesar da agitação dos últimos meses, Ney está tranquilo e até surpreso com o prêmio. "É bom ter um reconhecimento assim, embora eu viva sem estar preocupado com prêmio." A seguir, Ney fala do novo disco e da ficção Luz nas Trevas, em fase de montagem, com lançamento previsto para 2010.

Como surgiu o convite para viver o Bandido da Luz Vermelha no cinema?
A Helena Ignez foi ver o meu show no Vivo Rio, no Rio, e depois foi ao camarim falar comigo. Aceitei imediatamente, porque cinema é uma coisa que me interessa. Mas depois fiquei preocupado, por se tratar de um filme que é uma referência no país. O convite foi feito no final do ano passado, e filmamos em março.

Nesse período, você seguiu cantando?

Foi um mês em que só fiz o filme, exceto por alguns shows marcados. Cinema é barra pesada, são 12 horas de trabalho por dia. Mas tudo bem, eu sei que é assim, eu já havia feito o filme da Ana Carolina (Sonho de Valsa, de 1987), em que peguei das seis da tarde às seis da manhã, das seis da manhã às seis da tarde.

Há muita diferença entre atuar nos shows e no cinema?

Sim. O meu trabalho de palco, onde me mostro como cantor, é todo extrovertido, é todo para fora. O cinema, não, o cinema é um exercício de contenção, está tudo aqui no rosto, está tudo no olhar. Na hora que fala "filmando", dá uma coisa que corre pelo corpo. É muita responsabilidade, porque cinema é uma arte cara. Não pode errar, tem de fazer o melhor, o mais rápido possível, para não ficar repetindo e não gastar tanto.



Foi difícil trocar o palco pelo set?

O primeiro dia foi difícil, porque começou com uma cena em que o "bandido" estava exaltado na janelinha da solitária, dizendo um texto enorme que não era de diálogos, era um monólogo, só ele falando. Tive dificuldade de decorar esse texto, era muita coisa e tudo com muito arrebatamento. A intenção do texto eu tinha, mas não sabia de cor a quantidade de palavras. Então, eles puseram no corredor, do lado de fora da janela, o texto todo. O truque foi colocar papéis esparramados na minha frente, assim não fiquei com o olhar fixado. Em alguns momentos, usamos esse recurso e em outros eu ficava com alguém passando e decorando o texto, porque preferia saber de cor. O método para decorar era a repetição. Com música, é mais fácil, a melodia vai te colocando a letra na cabeça. Mas atualmente, por segurança, uso trêsteleprompters (uma tela que exibe textos para leitura) no palco, um no meio e um em cada lateral. Dou uma olhadinha numa palavra ou outra. Porque às vezes você fica preocupado com a letra e, pela preocupação, acaba não lembrando.

Você seguiu os passos do Paulo Villaça, protagonista do primeiro filme?

Não, porque era impossível. Eu não poderia me transformar nele. Então, fui construindo o meu personagem. O Kiko (Ícaro Martins, o diretor), no primeiro dia em que tive de fazer cena caminhando, me disse, "Ney, você está muito leve. Está muito ágil, procure um andar mais arrastado, mais pesado". E eu entendi que o Bandido era uma pessoa que estava presa fazia trinta anos. Que andaria meio arrastado, meio duro. Esses pequenos toques foram me ajudando. Como a questão da minha voz: me pediram para falar o mais grave possível, o que para mim é difícil, mas baixei o tom o mais que pude.

As cenas com o Bandido se passam todas na cadeia?

Há só duas externas: uma quando ele encontra uma mala cheia de dinheiro e outra quando passa pela multidão da Ladeira Porto Geral. Porque é ficção, não é um filme sobre a vida do João Acácio. A figura do Bandido da Luz Vermelha é uma inspiração. No filme o personagem foge da cadeia (na vida real, João Acácio foi posto em liberdade após 30 anos e assassinado durante uma briga, em Joinville, SC). A cena na Ladeira Porto Geral foi engraçada. Ninguém sabia que estava sendo feito um filme e ninguém sabia quem eu era. Eu estava de chapéu e de óculos escuros, com dinheiro caindo dos bolsos. As pessoas me pediam dinheiro, e não podia responder, porque tinha um microfone comigo, que gravaria. Mas teve um momento que tive de explicar: "Esse dinheiro é de mentira, não adianta dar para vocês".

Você já viu o filme?

Não, vi apenas o vídeo promocional na internet. Não dá para ter uma noção exata. Apareci ali em três momentos e achei que estava sincero. Não estava canastrão, sabe? Mas é só o que eu posso dizer. Além disso, vi somente uma cena de nudez que filmamos porque pedi para ver. Mas vi sem som, só imagem. Ela fazia parte do roteiro, mas não sei se entra no filme.



Você ficou constrangido ao fazer a cena?
Não, apenas me coloquei. Disse que não tinha nenhum problema moral em ficar nu, mas só fazia isso quando era proibido, e agora não era mais e não via muito sentido. Disse ainda que achava a nudez muito vulgarizada. Aí, o Kiko disse que precisava ver e eu fiz a cena, em que o personagem lê Kant em espanhol, alto, enlouquecido com uma vela na mão, de madrugada, na solitária.

É uma cena forte...
É, mas não sei... acho a nudez dispensável. Acho que é uma coisa que vai chamar muita a atenção, vai tirar o foco do personagem.

Por que a nudez deixou de fazer sentido?
A nudez está muito banalizada. Quando eu ficava nu, era proibido homem aparecer nu. Eu saí num livro de fotos da Vânia Toledo, com nu explícito, frontal (Homens, de 1979). Era uma atitude diante daquela situação de repressão dos anos 1970. Mas hoje não é atitude diante de nada.

Você pretende levar adiante a carreira de ator?
Em cinema, sim. Já surgiu outro convite. Vou fazer um curta sobre uma mulher que viveu no Ceará e foi isolada no meio do mato, porque tinha lepra. Quando ela morreu, as pessoas começaram a achar que fazia milagres e começaram a enterrar todas as criancinhas ao redor do túmulo dela. É uma história real. Como sou envolvido, como voluntário, com o movimento da hanseníase, vou fazer o filme. Vou viver o médico que descobre que ela estava doente.

Há novos compositores no disco novo?

É um trabalho despreocupado em lançar músicas inéditas, mas tem duas: uma de um compositor chamado Júnior Almeida (A Cor do Desejo), e uma do Victor Ramil (Invento). Inicialmente, queria cantar músicas que gravei com outras pessoas e que não entraram na minha caixa (o box Camaleão, que reúne 16 álbuns lançados entre 1975 e 1991 e um de raridades). Como O Medo de Amar, do Vinícius de Moraes, que não gravei antes por achar que era uma música no feminino; Bicho de Sete Cabeças, de Geraldo Azevedo; e A Distância, do Roberto Carlos. São 13 faixas, ao todo. Deve sair em setembro.


Da redação Walter Lima / Com enfoque da Revista Veja

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